Gracildes Mello Dantas: A professora do “Admissão”

Conheci a professora Gracildes Mello Dantas na Rua 24 de Outubro, em Cuiabá, em plena adolescência. Morei lá até aos 22 anos. Nunca fui sua aluna, mas, passava todos os dias em frente à sua casa nas longas brincadeiras de infância e adolescências e, depois, no caminho diário para o meu trabalho, na antiga companhia de Saneamento do Estado de Mato Grosso – SANEMAT, que ficava em frente à Praça Rachid Jaudy, no centro de Cuiabá. Sua casa ficava localizada entre as Ruas Marechal Deodoro e Presidente Marques, em frente ao Armazém Futurista, da família Campos e, ao lado do armazém de “Dutra Fumo Bom”.  As vezes me pego passando por lá bem devagarinho! Olhando! Lembrando! Matando saudades! Bebendo de suas memórias e de seus habitantes!

Gracildes Dantas nasceu no dia 18 de junho de 1920, em Picos (MA), hoje a cidade é denominada de Colinas MA). Chegou em Cuiabá em 1934. Filha de Raul de Mello e Pastora de Souza. Estudou o ginásio e o curso Normal, no Colégio Estadual de Mato Gross, hoje Liceu Cuiabano “Maria Muller”, concluído, o curso Normal em 1939.

Vem de uma família de professores. Com apenas 12 anos já ajudava a sua Tia, na alfabetização de crianças, ensinando o abecedário. Com 19 anos e o curso “Normal” concluído, tentou exercer a profissão de professora em Cuiabá. Tempos de dificuldades! Não havia concurso naquela época. Tudo era por indicação. Para exercer a sua profissão precisou se mudar para a cidade de Barra do Garças-MT. Lá ganhou experiência pois, foi aprendendo a metodologia de ensino em seu dia – a – dia de trabalho. Foi aprendendo como se ensinava na prática, como lidar com alunos e com o ensino-aprendizagem.

Em Barra do Garça, Gracildes lecionou por dois anos e meio. Foi nesse período que conheceu e casou-se com o piloto José Martins Dantas. Após o casamento voltou a morar em Cuiabá. Veio com uma vontade imensa de lecionar na capital, mas não encontrou nenhuma escola para lecionar. Então se deslocou para Cáceres-MT, onde foi aberto um ginásio, à época, chamado “Cel. Cândido”. Lecionou nessa escola por um ano.

Ao longo de sua experiência como professora no interior, Gracildes aprendeu muito. Foram tantas as situações de penúria, pobreza e doenças entre seus alunos que, às vezes ia conhecer a realidade de perto de seus alunos, quando estes faltavam aulas. Sem contar as dificuldades da aquisição dos materiais didáticos para ensinar. Se desdobrava para dedicar a sua atenção para àqueles, cujas dificuldades, eram maiores. “A gente vai dando um jeito na vida”. Utilizava como recursos didáticos a carta do ABC e a cartilha “Caminho Suave”, conforme registrado por R.V. Simeão, no Projeto História Oral da Educação Mato-Grossense, da Universidade Federal de Mato Grosso.

No preparo das aulas, aprendeu com a sua própria experiência, a planejar as suas aulas diárias.  Naquela época não havia curso superior em Cuiabá. “Tínhamos só o curso de Comércio”. Foi a experiência na lida com os alunos onde adquiriu as suas técnicas em ministrar aulas, além da ajuda da professora Tereza Lobo. “Aí eu comecei a repartir o conteúdo, no primeiro mês vou ensinar isso, no segundo aquilo, fui repartindo tudo direitinho, fui organizando. Hoje em dia, já é tudo bem planejado, para que os alunos aprendam tudo direitinho”, conforme registro de suas memórias. “

Mais tarde, veio o falecimento do seu marido.

Em Cuiabá, a professora Gracildes Dantas abriu a sua própria escola, onde o seu objetivo era preparar as crianças para enfrentar e passar para o curso de exame de admissão, uma fase escolar, entre o ginásio e o colegial, uma espécie de vestibular à moda antiga, onde o aluno para ter acesso ao colegial necessitava de passar por uma avaliação, anterior a década de 70, no ensino escolar brasileiro.

Na batalha diária, Gracildes Dantas era muito enérgica. Trabalhava arduamente para que os seus alunos obtivessem sucesso ao final do exame. E o sucesso começou a se espalhar na cidade de Cuiabá de outrora! Os pais passaram a matricular os seus filhos em sua escola particular, na Rua 24 de Outubro. O seu forte era o ensino de língua portuguesa, o “Português”. Não faltava o “Ditado” todos os dias. Para fazer o exame de admissão o aluno fazia um ditado que valia 3 pontos; 3 erros ortográficos, eles tiravam 1 ponto; 4 ou 5 erros de acento, eles tiravam mais um ponto. E esse ditado era um texto tirado da antologia nacional, um livro clássico. Era preciso lutar para entrar no colégio estadual. Uma escola, à época, frequentada por ricos e pobres e a concorrência era muito grande. Passei por isso!

O período do exame de admissão, foi a fase mais importante para a professora Gracildes, “porque eu era encarregada de tudo. Recebia aqueles alunos com a responsabilidade de fazê-los passar. Então eu via que aqueles que vinham das regiões mais ocultas, como dos prostíbulos, tinham muitos naquela época que eu comecei a lecionar. Havia as casas que as mães vinham trazer as crianças lá, para eu lecionar. No começo, eles pareciam insubordinados, mas quando, chegava à hora… Lá vinha ela – Professora! Eu preciso passar! Eu via o interesse naquelas crianças! E a gente despertar esse interesse é ótimo! É cem por cento! registrou Simeão.

Para Gracildes Dantas, a escola e o ensino eram o seu mundo. “A escola era minha, eu é que lecionava e preparava os meus alunos para passarem no exame de admissão. Chegava ao final do ano, eu ia separando os alunos conforme o colégio. O colégio Estadual era o mais exigente. Eu ia lá para assistir as provas. Lembro-me que puseram todos os alunos, para o exame, naquele salão onde era o ginásio de esportes. O professor ditando: – “o que ali se passava” e o aluno escreveu “o que Alice passava”. Quando foi na segunda prova, eu disse: Não gente, não está certo, fazer a prova neste local! Vocês têm tantas salas aí. Já está no final do ano, separem esses alunos, um pouco em cada sala, não é possível essas crianças fazerem o ditado ali, eles não conseguem escutar bem, atrapalham tudo, essa gritaria repercute, é uma coisa… Aí, que eles começaram, puseram um pouco em cada sala” …

O exame de admissão foi suprimido do ensino na década de 70. Quando foi retirado o exame de avaliação para admissão, a professora Gracildes percebeu, em sua experiência, que o curso primário baixou de nível, baixou consideravelmente, a qualidade baixou que só vendo; por que as professoras podiam passar de qualquer jeito, que os alunos entravam na 5ª série. Agora, eu acho que antes eles eram mais adiantados, mais preparados. No 2º ano primário, já se começava ensinar o presente, o futuro e o passado, para qualquer aluno. Hoje em dia, a gente, às vezes, pergunta para um aluno que termina a 8ª série se um verbo está no presente ou no passado e ele não sabe, deixou registrado em suas memórias, conforme Simeão.

Com a extinção do curso, a professora Gracildes Dantas continuou a sua vida normal, dando continuidade ao seu trabalho em repartição pública da cidade, passou a lecionar em um colégio noturno e dava aulas particulares a alunos que a procuravam. Foi aluna de excelentes professores, como Prof. Cesário Neto, Prof. Benedito, entre outros. E, eu tive o privilégio de ainda beber dos seus ensinamentos no curso de Letras, na Universidade Federal de Mato Grosso, em 1978.

Ao longo do tempo foi formando a sua família e nascendo os filhos: José Raul Mello Dantas e Graice Mello Dantas. Adotou Ana Maria, Uilson, Maurício, Délice, Gerson, Elias, Marlan e Lino. Deixou na cidade de Cuiabá uma extensa ramificação: Mello Dantas; Rodrigo Mattos; Veneza Sodré Mello Dantas; Souza Melo.

Gracildes Mello Dantas, ensinou, se doou à educação e, ainda teve tempo para criar seus filhos e muitos do coração. Faleceu em 2011, na capital mato-grossense.

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